Por Márcia Oliveira
"A história da Literatura Infantil tem relativamente poucos capítulos. Começa a delinear-se no fim do século XVIII, quando a criança passa a ser considerada um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias, pelo que deveria distanciar-se da vida dos mais velhos e receber uma educação especial, que a preparasse para a vida adulta".
CUNHA; Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil, teoria e prática, Ática, 2006, p.22.
De fato, a Literatura Infantil tem relativamente poucos capítulos, apesar de sabermos que desde a antigüidade já havia literatura, uma literatura essencialmente oral, contada nas rodas de leitura, onde se destacavam as poesias e as histórias de cavalaria, apreciadas por adultos e crianças, numa época em que a infância não era pensada tal qual a compreendemos hoje.
Somente em meados do século XVII, com a industrialização e, claro, com o início do processo de afirmação político-ideológica da sociedade burguesa, fortalecido pelas práticas difusoras de seus ideais a partir de fortes instituições ideológicas (família, escola, igreja) é que a criança passa a ser vista como um ser diferente do adulto, que tem indagações e necessidades próprias e necessita decodificar valores ético-morais do mundo que a circunda.
Surge então, nessa perspectiva, a Literatura Infantil, cujos primeiros textos voltados para as crianças foram organizados e adaptados pelo francês Charles Perrault. A partir do século XVIII, com o advento da tipografia, o que proporciona o aumento da produção cultural livresca em série, a Literatura Infantil ganha mais força, atingindo seu apogeu no século XIX, sobretudo com as adaptações dos irmãos Grimm e com o surgimento de autores como Júlio Verne, Lewis Carrol e muitos outros.
A industrialização européia fatalmente contribuiu para uma maior preocupação em relação ao aumento das vendas de livros, o que levou a sociedade burguesa a pensar a criança como um forte mercado consumidor. Porém, o principal objetivo da Literatura mirim não era esse. A criança é um ser social em construção e precisa associar valores da ordem social a qual poertence. Por isso, a Literatura Infantil foi utilizada como veículo disseminadsor dos valores ideológicos burgueses, sendo auxiliada, principalmente, pelo árduo trabalho dos adaptadores.
Como a Literatura da sociedade antiga não se destinava exclusivamente à criança, o trabalho de Perrault iniciou este processo, adaptando os contos de fadas à estrutura e à ordem social vigente, direcionando-os a um público específico: a criança burguesa.
Valores sócioculturais como o casamento, a moda feminina e a ascenção econômica são fortemente difundidos nos textos infantis (principalmente os contos de fadas) dos séculos XVII, XVIII e XIX, e fazem do adaptador um silencioso transformados do caráter popular dos textos das sociedades antigas em um caráter burguês fortalecido pelos séculos XVIII e XIX e matido pela sociedade atual, que vem perpetuando estes valores através de uma pedagogia moralizante, porém, a meu ver, com um diferencial crítico maior do que nas sociedades anteriores. O que se percebe na Literatura Infantil hoje (entenda hoje como desde Monteiro Lobato) é um aumento da importância de se mostrar valores culturais e, sobretudo, de despertar na criança a imaginação e o prazer mágico da leitura.